Wednesday, April 25, 2018

Os demônios da Louisiana e a vida real



Os demônios da Louisiana e a vida real

Dizem que existem pelo menos 50 “serial killers” em atuação em qualquer dado momento nos Estados Unidos. Os mais pessimistas acham que existem pelo menos 100. Loucos, desvairados, matando, fazendo seus monstruosos ritos de sangue. E se você pensa que os filmes exageram, quando descrevem certos crimes e certas personalidades distorcidas, você pode estar bem enganado. Muitas vezes, o real é ainda mais grotesco. O que o cinema e os livros fazem, muitas vezes, é dar ao enredo um certo “charme” tétrico para, em termos de publicidade, venderem mais.
O seriado americano “True Detective”, estrelado por Matthew McConaughey e Woody Harrelson é um caso típico. Aparentemente foi inspirado em algo ocorrido em Ponchatoula (Louisiana), numa igreja (pasmem!) chamada Hosanna Church. Há de tudo na história retratada no seriado: estupro, rituais satânicos, sacrifício de crianças, adoração do demônio. Segundo o detetive que investigou o caso verdadeiro, a série de tevê é muito mais leve do que aquilo que realmente aconteceu. Será que existem coisas tão horripilantes que, mesmo com a liberdade que existe hoje em arte, ainda assim são muito chocantes para a tela?

Só existe uma coisa que podemos fazer. Quem acredita em Deus, que ore e reze. Quem é ateu, que torça para que os demônios da vida real não cheguem perto.

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Estranhas Histórias
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Saturday, April 21, 2018

Paloma, amor e paixão


Paloma, amor e paixão
Se deitou na minha cama e me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não
Se instalou feito um posseiro dentro do meu coração

(Teresinha: Chico Buarque)


Paloma era mulher desejável, posso garantir. Paixão, ela teve várias. Começou com o Adão, depois veio o Benevides e, logo depois, o Carlos. Para começar com o Benevides, ela não despachou o Adão. E para começar com o Carlos, de nenhum dos dois primeiros se afastou. Eles sabiam e não sabiam. Sabiam e não queriam saber, você sabe, a Paloma era uma mulher e tanto, já expliquei.Talvez houvesse outros, porém não vou garantir. Isso é segredo dela só.
Você sabe como é a língua do povo. Não demorou muito e começaram a falar. Cada coisa. Falavam o que era verdade, mas inventavam outras mais. Histórias picantes, ardentes. Umas até pervertidas, que nem vou citar. Mas como sempre diz meu amigo Nino Belvicino, nessas coisas de amor, de mulher, a razão não existe, a lógica não prevalece e a regra é a exceção.
Quando todo mundo pensou que as coisas estavam assentadas, que ia ficar tudo assim, aparece o tal de Adonis, todo gostoso e bonitão. Além de tudo parecia ser um bom sujeito e ter um bom coração. Botou os olhos na Paloma e esta, claro, percebeu. Foram então só olhares. Mas a cidade, ávida, imaginou todos os contos e narrativas que conseguiu. Quatro? Minha nossa, isso não tem mais fim.
O povo, porém, estava enganado. A Paloma, não se sabe por quê, dispensou os três primeiros, assim, de repente. Só aí é que o Adonis começou. Os dois estavam juntos em todos os lugares, era um dengo só. Um amor avassalador. O novo casal era sinônimo de felicidade. E, ao contrário do que as más línguas falavam, durou e durou...
Quando enfim, tudo estava sacramentado, Paloma mulher de um homem só, as amigas mais íntimas perguntavam:
-Explica isso, Paloma, como foi que seu fogo apagou?
Ela, feliz da vida, rindo, respondia:
-Não confundam amor com paixão. Paixão a gente divide, mas o amor é um só. E o que havia antes era brasa. O fogo só agora começou e acho que não vai ter mais fim. 
E ria, ria, feliz da vida.
Ah, essa Paloma...

Vídeo: Maria Bethânia - Teresinha (1977)

Saturday, April 14, 2018

Friozinho na barriga





Friozinho na barriga

Não sei quem foi que falou
que o amor está no coração!
Está nada, pura invenção!
Está na mente, na nossa cabeça, 
doidinho, tão agitado,
que de neurônio em neurônio,
pula, doido, incessante,
pronto para nos enlouquecer!
Claro, na barriga também!
Ou você nunca sentiu,
aquele friozinho bom,
quando vê o seu amor,
lá na esquina aparecer?


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Thursday, April 12, 2018

I-JUCA-PIRAMA




I-JUCA-PIRAMA
“Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.”
(I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias)



No seminário, meu apelido era Castor. Talvez por causa da situação, lá os meninos se tornavam agressivos e malvados. Sempre buscando humilhar os colegas. Eu sei que isso é normal nas crianças de uma certa idade. Mas ali era mais do que isso. O ambiente favorecia. Essa atitude não combinava com a “bondade”e “humildade” que nos ensinavam as palavras de Jesus repetidas tantas vezes nos sermões e nas aulas de religião.

Bom, eu tinha mesmo dois dentes grandes e proeminentes bem na frente e na parte de cima. É  verdade, acho que lembrava um castor. Daí meu apelido. Para mim foi tudo muito natural. Não resisti porque não podia e, obviamente, nas circunstâncias era o melhor a fazer.

De quando em quando tínhamos apresentações teatrais: material cuidadosamente escolhido pelos padres, é claro. Não sei como, fui escolhido para recitar o poema I-Juca-Pirama de Gonçalves Dias. Estava apreensivo pois eu era extremamente tímido e avesso a exibições públicas. Mas tinha de fazer. Decorei com esmero o poema todo. Repetia-o, quando estava sozinho, a todo o momento e em todo lugar, em todas as suas partes. Até dormia recitando os versos em minha cabeça. Não podia falhar, era uma missão importantíssima, Não poderia dar vexame.

Dia da apresentação, dia importante. Todos presentes: alunos, empregados, padres e reitor. Era um grande momento. Havia outras apresentações, é claro, e a minha era apenas uma delas e certamente não a principal. Para mim, no entanto, era o dia de maior responsabilidade até aquele ponto de minha vida. Tinham me preparado nos bastidores. Roupa de índio, cocar e tudo mais. Puseram um tipo de tinta marrom sobre meu rosto, acho que era a cor do índio. Eu tinha decorado o poema de tal forma, que mesmo que me desse pânico, ainda assim eu o recitaria, pois ele sairia automaticamente de minha boca.

Abrem-se as cortinas do palco. O cenário é uma mata densa, feita de papelão pintado. Eu entro, silencioso, e vou para o lado direito do palco como me tinha sido designado. Uma marcha solene – combinando com a majestade da floresta e a valentia do guerreiro, começa a ser tocada. Com o canto dos olhos, eu aguardo o sinal do instrutor para começar a recitar o poema. Até então ninguém sabia quem era o ator misterioso, pois a caracterização era  muito forte: pele pintada, penas coloridas, colar de ossos, etc. Obviamente ninguém conseguia ver os dentes do Castor, que até então mantivera sua boca fechada. Tinha certeza de que todos estavam curiosos para saber quem era o “artista”. O som abaixa, recebo o sinal para começar a recitar, encho os pulmões, e solto: “No meio das tabas de amenos verdores...” Gargalhada geral. Pensei por um segundo que havia feito algo errado. Não. Todos começaram a gritar “ É o Castor, é o Castor”. Não havia nada de errado, era apenas o fato de ser eu, o Castor. Pura gozação. Eu não sei se senti ódio, frustração, medo ou o quê... Depois de uma fração de segundos e o aviso de silêncio dado pelo padre “da disciplina”, pude continuar. Foi então que  senti o guerreiro dentro de mim. Estava com raiva. Queria lutar contra toda a audiência. Não sei onde achei tanta força.  Enchi os pulmões e falei, sílaba por sílaba, o poema todo, sem errar, sem parar... Eu me lembro ainda hoje da força que pus ao falar:

 “Sou bravo, sou forte, Sou filho do Norte; Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi.”

Acho que Gonçalves Dias ficaria orgulhoso de mim, ali, enfrentando aquela plateia.  Acho que ele gostaria de estar lá a me ouvir. Acho mesmo que ele escutou meu canto forte e heroico lá do outro lado...


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Monday, April 9, 2018

A hora triste da partida




A hora triste da partida
“Chegou  a hora da triste partida.
E tudo que eu amo na vida
Tenho que deixar...”
(Hora da Partida: Trio Nordestino)


A rua da minha casa, a casa onde passei minha infância, fazia uma curva após uns cem metros e era inicialmente uma pequena ladeira para depois se tornar uma rampa íngreme.
Lembro-me perfeitamente daquela manhã, há cinquenta e três anos atrás, quando meu pai me segurava por uma mão e na outra tinha uma daquelas pequenas malas antigas feitas de couro duro. A ladeira terminava numa praça que, do outro lado, abrigava a estação da Estrada de Ferro.
Um pouco antes de chegar à curva, virei minha cabeça para ver uma cena que eu já sabia que ia ver.  Minha mãe, na janela, como num quadro na parede, chorando. Não vi de fato as lágrimas, mas sabia que estava chorando. Se não queria que fosse, por que me deixava ir, eu me perguntava. Fui convencido, na época, de que eu tinha “vocação para padre”. Não me lembro como começou, mas sei que, de repente, quando percebi, todos falavam que eu ia ser padre, que “tinha vocação”. As beatas, o padre, todos sabiam. Sem sentir a tal da vocação e nem mesmo saber o que era, acabei acreditando nela e confirmando que a tinha.

Recordo-me vagamente de entrar no trem, em silêncio, sabendo que estava indo para um lugar diferente, passar por uma experiência pela qual meus irmãos não tinham passado e eu tinha inveja deles por terem conseguido escapar da sina. Não sabia dizer “não”, por isso me sentia completamente derrotado. Não me lembro do momento em que meu pai se foi. De repente vi inúmeros garotos da minha idade, bem diferentes dos da minha rua. Uns, como eu, tímidos, outros, espertos, talvez porque não tinham consciência do que estava acontecendo. Padres, batinas, irmãs e  outras pessoas com roupas normais, todos organizando, arrumando, orientando a nova turma de seminaristas. Quando notei, já estava em outro trem, veloz indo para uma viagem mais distante. O trem era diferente, parecia mesmo trem de longa distância. Eu queria adiar a viagem, não chegar, não chegar nunca, mas a locomotiva, implacável, voava sobre os trilhos. Chegamos lá no final da tarde e um daqueles ônibus antigos nos esperava. Por uma estrada tortuosa de terra nos levou para a “prisão”, um edifício de três andares, em forma de U. Um longo dormitório com dezenas e dezenas de camas sobre as quais depositamos nossas malas, para em seguida irmos para a capela para ouvirmos o sermão de recepção. Ali terminava a infância. A juventude só começaria seis anos depois.



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Monday, April 2, 2018

O impasse do Antônio



O impasse do Antônio

O Antônio estava contente. Era dia de retirar o dinheiro de sua aposentadoria. Poderia pagar umas contas e comprar algumas coisas de que estava precisando. Enquanto esperava a moça do caixa processar o que tinha de processar, olhava para as outras pessoas na fila. Muitos aposentados, como ele, ali esperando para receber. Ainda bem, não tinha ideia do que fazer sem aquele valor todo mês. Foi por isso um susto, quando a moça, sorridente, falou que, sentia muito, mas não podia efetuar o pagamento. Como assim? No sistema constava que ele tinha falecido há três semanas atrás e tudo fora suspenso. Havia um pouquinho só, dos dias daquele mês em que ele estava vivo. Infelizmente nem essa merreca não podia sair do banco, a não ser que fosse retirado pelos herdeiros. Mas será que aquela funcionária não podia ver que ele estava ali, vivinho da silva?
Passado o susto e a constatação do óbvio, que estava muito vivo, ele certamente protestou. A moça, com uma compaixão fingida, reafirmou que nada podia fazer. Para o sistema, ele estava morto. A cabeça da gente é gozada. Enquanto ela falava, Antônio se lembrou de que brincava de morto, quando era criança. Sempre achou a brincadeira besta, mas naquele instante ela era mais besta ainda. Ela não podia fazer nada, era apenas uma funcionária, ele tinha de ir até o Instituto. Ele foi. Lá, novamente, confirmaram seu estado funéreo, o que o deixou ainda mais deprimido e revoltado. Disseram que tinha de trazer um atestado de vida, uma prova médica e legal de que ele era um ser vivo. O seu médico imediatamente deu uma declaração, apesar de achar um absurdo, e encomendou um exame de DNA para cobrir o atestado. De certa forma, cobria a sua profissão, também. Juntou tudo, levou até a repartição.
A funcionária pediu para ele esperar. Falou com o chefe, que falou com o supervisor geral. Voltou e disse que estava tudo bem. Só faltava uma coisa. Ele precisava juntar o DNA do corpo que estava no cemitério para provar que os dois “batiam”. Ele ainda protestou dizendo que,  se estava provando que estava vivo, como poderia haver um corpo enterrado? Ela deu um sorriso amarelo e falou que “sentia muito”. Sentia coisa nenhuma, ele falou em voz alta. Na verdade em vez de “coisa” ele falou outra palavra, começada com “b”, que eu não posso repetir.
Antônio pensou consigo: esses safados querem brincar comigo, eles vão ver só. Se estou morto, posso fazer o que eu quero. Foi até o supermercado, pegou tudo do bom e do melhor e saiu sem pagar. Não demorou muito, ele foi preso. Na polícia, o delegado estava um pouco surpreso de ver o Antônio por ali. Ele nem de longe parecia um ladrão. Interrogou o suspeito para fazer o Boletim de Ocorrência. O Antônio contou, com detalhes, a sua história. A autoridade coçou o queixo, pegou os documentos de identificação do Antônio e olhou no computador. É verdade, ele disse, o senhor faleceu no dia 27 de julho. Está vendo, disse animado o Antônio. O senhor não pode processar um morto.
O delegado consultou o computador mais um pouco, depois o Código Penal e finalmente deu a sua sentença, embora não fosse juiz. O senhor tem razão, mas tenho de usar a lógica. Uma pessoa não pode estar morta e viva ao mesmo tempo. Isto significa que o senhor está usando a identidade de uma outra pessoa, o que é um crime. Este - de falsa identidade -  vai ser acrescentado ao do roubo ao supermercado.
Para dizer a verdade, era a única coisa que fazia um pouco de lógica até então. Além disso, na cadeia pelo menos ele tinha o que comer. Como dizia aquele famoso escritor, “Viver é complicado” ...

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